Conceito de Deus

Portuguese translation of ‘Godsbegrip

by Bruno Castro Schröder

Conceito de Deus

[1]

Meus Senhores, Administradores da Fundação Sint-Radboud, Curadores, Professores, Leitores e Assistentes desta Universidade, Senhoras e Senhores Estudantes e todos vós que honram a alegre celebração do Aniversário desta Universidade com vossa presença.

Muito estimados ouvintes,

Entre as muitas perguntas que faço a mim mesmo, nenhuma me ocupa mais do que o enigma de que o ser humano desenvolvido, orgulhoso e convicto de seu progresso, se afasta de Deus em tão grande número.

É perturbador que, em nossa época de tão grande progresso em diversas áreas, enfrentemos uma desonra e negação de Deus que continuam a crescer descontroladas como uma doença contagiosa.

Como a imagem de Deus se obscureceu tanto que muitos não são mais tocados por ela? É uma falha somente do lado deles? Ou há algo que devemos fazer para fazê-la brilhar mais claramente sobre o mundo e podemos ter esperança de que um estudo do conceito de Deus aliviará ao menos essa maior de todas as necessidades?

Não tenho a intenção de resolver este problema mundial, maior do que a necessidade material, em uma hora. Quero apenas compartilhar alguns pensamentos que essa questão desperta em mim, na esperança silenciosa de que o levantamento dessa questão aqui beneficie a ciência católica, não pela resposta que dou, mas porque essa resposta incompleta e defeituosa levará outros a uma resposta melhor e mais completa e, assim, uma das questões mais vitais, pouco considerada, será tratada de maneira proporcional à sua importância, para aliviar a necessidade e promover o verdadeiro progresso.

Vivemos em um tempo de grande confusão no reino do [4] pensamento. Os sistemas mais contraditórios são venerados como verdade e defendidos com entusiasmo por estudiosos reconhecidos. Mas a mais terrível contradição vejo nos pensamentos sobre Deus. Ao lado da grande, felizmente ainda esmagadoramente grande, maioria que tem uma visão muito clara de Deus e o adora com reverência, estão – a imprensa e as estatísticas mostram isso sem disfarces – centenas de milhares, não, milhões, estremeço ao mencionar números tão altos, mas são milhões que não veem mais fundamento para sua compreensão de Deus e, não satisfeitos em negar sua existência, travam uma luta cheia de paixão e ódio para banir toda ideia de Deus da sociedade.

Não é minha intenção defender o conceito de Deus, já há apologia demais. Andamos demais pelo caminho negativo da defesa e refutação, enquanto é mais nobre e útil fazer a verdade brilhar positivamente na luz que dela emana e que sempre tem fascínio para o espírito humano. Acredito, portanto, que nossa tarefa deve ser, e devemos considerar como nosso dever sagrado, observar ao nosso redor o fenômeno da negação de Deus, não principalmente para nos prepararmos para combatê-lo, mas para, levando isso em consideração, fazer com que o conceito de Deus seja conhecido sob novas formas, adaptando-o à cultura atual, de tal maneira que a riqueza desse conceito evoque especialmente aquela glória que, neste tempo, faz com que esse conceito de Deus tenha maior encanto.

A mente humana deve, apesar do grande progresso em várias áreas, estar terrivelmente cega para não conseguir mais ver Deus. Essa cegueira, no entanto, não é uma cegueira total. E sem desconsiderar que essa cegueira em grande parte surge de uma mentalidade doentia que obscureceu a visão, pergunto-me se talvez o objeto da visão está suficientemente iluminado e se não devemos tentar iluminá-lo e posicioná-lo de tal forma que mesmo esses cegos doentios possam voltar a vê-lo.

Há uma riqueza tão grande na imagem de Deus, e pode ser vista sob tantos pontos de vista, que devemos ter cuidado para não nos apoiar demais no antigo, considerando as representações [5] tradicionais como suficientes. Novos tempos pedem novas formas.

Não tenho absolutamente a intenção de revelar aqui toda a riqueza da imagem de Deus. Sabemos o suficiente, como extensos tratados, mesmo no campo puramente filosófico, tentaram isso, de modo que seria presunçoso e uma injustiça a esse conteúdo gloriosamente rico se eu tentasse mostrar todos os aspectos deste diamante celestial no curto espaço de uma hora. Também não acredito que isso seja necessário para o objetivo que proponho. Para isso, é suficiente, em uma visão muito curta e esquemática, apontar, a título de exemplo, as mudanças que o conceito de Deus sofreu ao longo dos séculos em nosso país.

Isso mostra em alguns traços como grandes mudanças são possíveis e foram um fato na história. Mostra como nosso tempo também deve ter sua própria imagem de Deus.

Pode-se dizer que, como no passado, sem refletir sobre isso, sob a influência de vários fatores, a imagem de Deus foi inconscientemente deformada e desenvolvida, assim também agora, devido à urgência dos tempos, a imagem de Deus que mais se adapta aos nossos tempos nascerá e será considerada uma representação disso. Por outro lado, há o risco de deixarmos demasiadas coisas ao inconsciente em nosso tempo, e devemos ser muito cautelosos para não dar à intuição e ao discernimento natural, pragmático ou não, um espaço excessivo no processo de conhecimento. É precisamente uma tarefa honrosa para o ser humano e uma demonstração de apreço pelo que ele é e pode, trazer ao consciente o que ocorre inconscientemente nele e, sem saber como e por que, se manifesta a ele em uma representação e, por reflexão e argumentação, fazer disso uma verdadeira posse humana, não material, mas formal, na medida em que ele possui com as faculdades mais nobres e elevadas das quais ele pode fazer objeto.

Se buscarmos na história de nossa cultura nacional o conceito de Deus dominante, faremos bem em distinguir alguns períodos principais.

No primeiro período de cultura emergente, da primeira [6] liberação do paganismo, vemos, não poderia ser diferente, uma imagem que é um pouco semelhante à dos habitantes pagãos de nossa pátria nos primeiros tempos. Embora, para toda pregação de fé, um Santo Isidoro de Sevilha[2], para a pregação da fé nestas terras, um São Bonifácio[3], seu bispo inglês, Daniel de Winchester, tenha insistido que na pregação os deuses pagãos deveriam ser apresentados como pessoas humanas superestimadas. Aqui, assim como em muitas áreas missionárias ainda hoje trabalhadas, essa representação não encontrou fácil aceitação e prevaleceu a outra, que esses deuses eram espíritos malignos, demônios, que se deviam temer, mas de cuja grande força se poderia libertar submetendo- se ao poder supremo de Deus. Assim, Deus vivia na representação do poderoso Guerreiro, o Forte, contra quem os deuses, especialmente os deuses locais, não tinham poder. Era como se Deus tivesse conquistado uma nova terra, incorporado um novo povo ao seu Reino. A luta entre os povos era uma luta entre os deuses do povo. Com grande ousadia,

o rei Radboud permitiu que São Bonifácio pregasse, porque estava certo, e Bonifácio também disse isso, que seus Frísios não reconheceriam Deus depois de terem acabado de derrotá-Lo em sua luta contra os Francos.

Deus é visto como o Líder dos seus, para quem Ele é o forte guerreiro, o verdadeiro Imperador ou Rei. O Rei é o escolhido para liderar o povo em seu lugar, ele é isso por sua graça e recebe ao mesmo tempo grandes graças de estado em sua alta dignidade. A crença no poder milagroso dos Reis Ingleses e Franceses sobreviveu por séculos como um remanescente desses primeiros tempos. Nos julgamentos de Deus, no uso da tortura, revela-se igualmente essa imagem de Deus, embora com uma pequena modificação, na medida em que Deus é visto como o Juiz supremo, que no ordálio mais abertamente, na tortura mais ocultamente, concedendo força ao inocente, protege seus escolhidos por seu poder e os preserva nos maiores perigos. A pregação da fé, especialmente a dos Francos, foi sustentada pela imagem de Deus como irresistível, que ajuda e protege seus servos. [7] Milagre após milagre revela esse poder e cooperação divina. Santidade exige milagres. Uma vida santa deve ser um relato de milagres. A obra de Deus deve se manifestar, e a maior atenção é dada a fatos que mostram, de maneira particularmente eloquente, a proteção poderosa de Deus. Segundo os antigos relatos de vida que se alongam sobre isso, um São Wilibrordo[4] enfrenta a morte em Heligolândia[5] e Valáquia[6], que parecia vinculada a suas ações, Wulfrano[7] salva um sacrifício humano destinado aos deuses, Bonifácio derruba o carvalho de Thor em Hesse, São Lebuíno[8] enfrenta a morte na assembleia dos Saxões em Markelo, São Willehad confia ousadamente na ajuda de Deus em sua pregação em Groninger Oldehove[9], e todos permanecem ilesos, porque Deus está com eles. Na linha dessa representação, está a disputa sobre a predestinação, que surgiu em torno do monge Gotescalco[10]. Era difícil se desvencilhar da imagem limitada de Deus como grande, bom e poderoso para seus eleitos, o Deus para seu povo, Rei e Guerreiro em poder e majestade, que revela esse poder também naqueles que o servem. Essa imagem de Deus foi ainda sustentada pela influência exercida sobre a cultura emergente por Bizâncio. É conhecido como Carlos Magno nutria a mais alta veneração por tudo que vinha de Bizâncio, associando Gregos à sua Corte para introduzir sua cultura aqui. Sua atitude iconomaquista[11], quase iconoclasta, em relação à veneração dos santos, também mostra a alta e única posição que se dava a Deus e como se desejava pouco uma humanização da imagem de Deus. Esse respeito e grande reverência por Deus se revelam também no desenvolvimento da liturgia na ordem de São Bento. São Bonifácio queria a celebração mais solene dos Santos Mistérios, as Sagradas Escrituras escritas com letras douradas, para que os pagãos vissem quão elevado é Deus e como o mais nobre e rico é usado para servi-Lo. Esse esplendor e respeito, essa reverência e homenagem real devem dar aos pagãos uma alta concepção de Deus. O Cristo na cruz é o Cristo triunfante, vestido com o manto real e coroado com a coroa imperial. Em uma palavra, Deus é poder [8] e majestade, que entronizado nas alturas do Paraíso, mas cujo reino também está neste mundo, onde Ele tem seus eleitos, que Ele guia e protege.

Dessa primeira concepção principal, desenvolve-se gradualmente uma segunda, que aprofunda e enobrece a primeira, prestando mais atenção a alguns pontos menos destacados nela, com o resultado de que outros pontos, que eram bonitos e sublimes na primeira, ficam em segundo plano, pelo menos não recebem mais tanta atenção. Logo vemos a ideia de Deus, inicialmente ainda muito externa, embora com elementos muito bonitos, ser interiorizada pela introdução de novos elementos. Com o avanço da cultura, isso dificilmente poderia ser de outra forma. Houve um aprofundamento filosófico. Deus passou a ser visto também como o Líder e Lutador no reino do pensamento. Ele é o Iluminador da mente humana. Ele nos infunde sua luz e, nessa luz, somos capazes de conhecer e desenvolver suas verdades. Mesmo a Revelação é vista como uma iluminação da mente, chamada a compreender essa Revelação. O homem deve ocupar-se com o divino; Deus o coloca diante dele, e ele deve ascender a Deus. Escoto de Erígena[12] pode ser considerado um precursor e a primeira revelação dessa direção. A epistemologia de Platão e Santo Agostinho conduz os pensadores cada vez mais à ideia de que o homem deve libertar-se e ascender a Deus, morrer para o mundo para aderir a Deus. Deus é o fundamento mais profundo da natureza humana, ao qual ele deve retornar ao morrer para si mesmo. Ainda há uma grande oposição entre a imagem de Deus e a do homem, uma oposição que é altamente reforçada pela oposição platônica entre espírito e corpo.

Deus é o objeto de nossas faculdades espirituais. Na imagem de Deus, os elementos sensoriais, tudo o que atua na imaginação são reprimidos, embora não completamente, pois isso o tornaria inacessível, mas o elemento de imaginação é sentido como algo imperfeito, que demanda espiritualização. Vivemos na época em que a teologia negativa celebra seus triunfos. [9] Quando Deus é chamado de bom, apressa-se em dizer que Ele não é bom no sentido em que imaginamos a bondade. A bondade de Deus ultrapassa todo entendimento e concepção, e só então nossa concepção de Deus é digna dele, quando conseguimos reprimir todos os elementos de limitação que para nós são sinônimos de restrição. É um tempo de ideais. Na literatura, surgem as lendas dos Cavaleiros do Graal; é uma época em que, guiada por essa concepção de Deus, a primeira e a segunda cruzada se tornam possíveis, e um Pedro de Amiens[13] e São Bernardo[14] fazem ouvir seu ‘Deus o quer’, para inspirar milhares a abandonar tudo. Não é uma luta como a dos francos pela expansão do reino de Deus; é a busca da Terra Santa, a libertação dos Lugares Santos, respondendo ao chamado de Deus que, de longe, convida a vir até Ele. Na Mística, é a ascensão da Noiva ao Noivo, que chama e infunde amor no coração, forte o suficiente para vencer toda resistência. Em uma palavra, Deus é iluminação e inspiração; Deus é a luz do mundo, a luz de nosso entendimento, o objeto mais nobre do Amor, alto e, acima de tudo, bom e amável, a quem ascender, é o maior privilégio e a mais bela revelação do amor de Deus que, embora exaltado acima de tudo, quer que nos afastemos de nós mesmos e ascendamos até onde Ele, em sua glória, está entronizado em um trono de luz insondável.

Mesmo esta representação, por mais bela que fosse, não se sustentava como ideia principal. Faltavam nela elementos que, em um período posterior, trouxeram nova beleza à imagem de Deus. Sabemos que, como no século XII, e ainda mais nos séculos XIII e

XIV, o ponto de vista platônico na Filosofia foi abandonado em favor do aristotélico, como a concepção da iluminação do espírito por Deus, e a familiaridade dos conceitos cedeu lugar a uma ênfase maior na natureza, à qual Deus conferiu a capacidade de penetrar do sensível ao inteligível. A [10] imaginação não era mais vista em oposição ao conceito e começou-se a ver mais Deus na obra de suas mãos, na sua união com a criação, na sua união com o homem, não apenas com a alma, mas com todo o homem. Surgiu uma devoção especial ao Mistério da Encarnação de Deus. Preferia-se agora ver Deus descendo de sua glória e tornando-se igual ao homem. Apresenta-se Deus ainda preferencialmente em Cristo, homem como nós, nu na manjedoura, nu na cruz. Até mesmo o pudendo não é coberto e com preferência vê-se o Menino Jesus ao seio de Maria. Diversas lendas sobre a infância e a humanidade de Jesus ganham aceitação. Não é mais a concepção da ascensão do homem a Deus, mas sim a descida de Deus aos homens, a revelação do amor e da familiaridade de Deus, a vinda de Deus até nós, para que nos unamos a Ele e estejamos cada vez mais conscientes da nossa unidade com Ele. São Francisco espalha a devoção ao Menino na manjedoura e é o seguidor heroico de Cristo em sua pobreza e humildade. Devemos absorver Cristo em nós muito mais do que devemos subir até Deus. A ênfase é colocada, não apenas na epistemologia, mas também na vida espiritual e religiosa, na potencialidade, na receptividade da natureza. É um tempo talvez mais prosaico que o período anterior, mais prático, mais sóbrio, mais adaptado à realidade. No lugar das provas da existência de Deus de Santo Anselmo, onde o espírito se perde no conceito, seguem-se os cinco caminhos de São Tomás, que na contemplação da criatura levam à descoberta de sua origem divina. Busca-se e vê-se a essência divina não mais no abstrato, a capacidade de abstração permite ao homem ver Deus sob formas que falam aos sentidos e à imaginação. É o tempo da bela, profundamente religiosa e ainda tão simploriamente humana arte medieval holandesa. Para resumir, Deus é o Deus conosco, descido até nós em amor inefável, nascido e morto por nós, em cuja encarnação temos a imagem que devemos formar em nós para, de acordo [11] com nossa receptividade a essa descida e habitação divina, acolhermos Deus em nós.

Por melhor e internamente saudável que fosse a conexão do sensível com o inteligível, essa perspectiva aristotélica ainda continha um perigo que, especialmente no século XV, se tornou tão grande que levou a uma representação excessivamente personificada de Deus. A imagem substituiu a realidade e acabou por reprimir a consideração mais intelectual da essência de Deus. Esta imagem de Deus também continha elementos belos, mas era demasiado unilateral e limitada para que pudesse satisfazer o ser humano a longo prazo. O desenvolvimento continuou. Da concepção da descida de Deus até o homem, de sua vida entre nós, chegou-se àquela bela e magnífica representação de Deus em todas as fases de sua existência divina e humana. A essas imagens foi concedido um lugar de honra, para que esses cenários fossem constantemente mantidos na mente. Deus recebeu um grande espaço na vida social. Sua imagem foi elevada a um trono em todos os lugares, a sociedade orgulhava-se de ostentar um caráter cristão, a Igreja foi identificada com a sociedade, e muitas exterioridades foram simultaneamente destinadas à religião. Imagens não apenas na igreja, mas por toda parte nas casas e ruas da cidade. Atribuía-se importância a várias exterioridades que substituíam a adoração íntima de Deus. Indulgências e peregrinações, por melhores que fossem em si mesmas, contribuíam para a exteriorização da vida religiosa. O Humanismo e a Renascença, que substituíram a ingênua e primitiva imagem sensível de Deus pela imagem humana perfeita, brilhante em esplendor clássico, e até nos mais altos círculos eclesiásticos fizeram com que Deus fosse honrado com excessivo esplendor, como se competissem em exterioridades para trazer a Deus a honra e a reverência que lhe cabiam na sociedade cristã e em todas as suas camadas, acabaram por ofuscar essa bela imagem de Deus e fizeram com que os olhos de Deus se afastassem. Assim, o ser humano já não podia mais se encantar com isso. As tentativas de Gerson para um aprofundamento, os esforços de reforma nas diversas ordens por volta do meio e do final do século XV tiveram apenas um efeito temporário [12]. Padre Brugman entre os Frades Menores, o Beato João Soreth entre os Carmelitas, João Busch entre os Cônegos Agostinianos, Nicolau de Cusa com Dionísio, o Cartuxo, fizeram muito para conter a exteriorização, mas não puderam impedir que a forte unilateralidade dessa imagem de Deus e, sobretudo, seu forte caráter exterior levassem a uma reação em que uma imagem mais íntima de Deus ressurgisse.

Resumindo, gostaríamos de falar aqui sobre a imagem social de Deus, uma imagem de Deus servida e homenageada pela sociedade exterior, certamente um desenvolvimento adicional do conceito de Deus, mas que levou a uma situação em que, no final, Deus era visto apenas como alguém a ser homenageado e reverenciado em ostentações exteriores.

Por mais que essa exterioridade seja necessária para a religião, o ser humano também exige uma convicção interior. E viu-se muito pouco na Igreja e na sociedade que essa exibição religiosa fosse sustentada por fé e devoção. Assim, ressurgiu a concepção de Deus como espírito e verdade, que quer ser professado e servido em espírito e verdade. A vida mística ameaçava também desaparecer nesse desenvolvimento. A Devoção Moderna havia enfatizado excessivamente a receptividade humana e a necessidade da prática da virtude em preparação para a vinda do Noivo, que é o único que decide a quem deseja descer, de modo que não temos nada a dizer sobre isso, não podemos contribuir para isso. As obras sociais, como imitação da vida de Cristo, eram mais valorizadas do que a graça mística, a face exterior da vida espiritual mais do que a interior. Assim, a vida espiritual também perdeu sua inspiração e força mais íntimas e não foi capaz de manter o equilíbrio adequado diante da inclinação para a exterioridade.

Assim chegamos a uma nova era, na qual uma concepção de Deus mais interior e espiritual pode novamente ser considerada predominante. Deus voltou a ser visto mais como objeto do intelecto, como mestre da verdade. O serviço a Deus não estava em primeiro plano, mas a fé Nele. [13] O divino foi visto menos como familiar e mais como elevado. Em relação ao divino, o humano perdeu importância. Somente pela escolha e graça divinas, o ser humano ainda era capaz de algo, e o importante era ser o objeto dessa escolha divina. A ideia da predestinação voltou a ocupar as mentes. Pela graça de Deus, a natureza era capaz do bem. Na boa ação, revelava-se a eleição divina. Isso trouxe, além da imagem de Deus como Mestre da verdade, a imagem de Altíssimo Juiz severo. A familiaridade amorosa deu lugar a uma sagrada subserviência, um serviço cuidadoso e meticuloso substituiu uma relação talvez demasiadamente íntima e familiar. A concepção mais austera de Deus no Calvinismo foi ainda mais rigorosa no Jansenismo. O Ocacionalismo de Geulinx e as concepções panteístas de Spinoza fortaleceram a visão da onipotência de Deus em contraste com a impotência humana, elevando a essência divina muito acima da insignificância humana, que só pode realizar algo através da ação divina. A posição de Descartes na teoria do conhecimento, de que nossa compreensão tem valor devido à origem divina de nossa natureza, seguia uma direção semelhante, e a grande aceitação de sua doutrina entre os Calvinistas nos Países Baixos e os Jansenistas na França é um indicativo de como sua concepção de Deus coincidia ou pelo menos estava relacionada com a deles.

Além dessa interiorização e intensificação da concepção de Deus entre os protestantes e jansenistas, também ocorre uma interiorização entre os católicos. A imitação de Cristo na Devoção Moderna tornou-se, na escola de Nicolau de Esch e Maria de Oisterwijk, também escola de Canísio, uma vivência de Cristo em que a habitação e orientação divina, por um lado, e a revelação dessa habitação na vida virtuosa, por outro, revelam uma modificação relacionada na concepção de Deus e na representação dominante de Deus. São Pedro Canísio contrapõe à Teologia em alemão[15], publicada por Lutero como um resumo de Tauler para levar o homem à entrega total a Deus, uma tradução alemã de Tauler, da qual os cartuxos de Colônia providenciam uma tradução latina e desejam uma nova tradução [14] neerlandesa, para que nessa entrega se mantenha o equilíbrio adequado, mas continua avançando na direção da total dependência do homem de Deus e da obra de Deus em seus eleitos, a ponto de Tauler ser mal compreendido e apresentado como defensor da total insuficiência da natureza humana e da eficácia única da fé na eleição divina.

Para resumir esse conceito em poucas palavras, gostaríamos de dizer que ele se caracteriza por uma exaltação de Deus muito acima do ser humano, que nada pode fazer a não ser por Deus, que é a única fonte de toda verdade e bondade e a quem o homem deve se entregar completamente em confiança fiel. Esse conceito levou a uma negação da autonomia e atividade humana. Assim, em contraste com a imagem comum de Deus, ressurgiu a imagem inspiradora de um profundo respeito, contrapondo à ideia de Deus como nosso Irmão, a imagem do Juiz que concede graça aos escolhidos e revela essa escolha através das boas obras, que Ele permite que o homem, incapaz por si mesmo, realize. Também na experiência de Cristo da escola de Oisterwijk, essa tendência de exaltar Deus muito acima do homem e de ser mais rigorosa se manifesta.

Esse conceito da natureza divina e da ação divina, bonito sob muitos aspectos, mas sob outros aspectos muito severo e elevado, inspirado, ao menos apoiado e fortalecido pela filosofia cartesiana, início de um renascimento da posição subjetiva platônica na teoria do conhecimento, foi, dificilmente poderia ser de outra forma, suplantado por um conceito diretamente oposto, mas que, no entanto, decorria da mesma posição cartesiana. Deus foi concebido tão elevado acima do mundo que mal se podia pensar em comunhão, enquanto, por outro lado, a natureza foi apresentada como tão dotada e agraciada a Deus que [15] sua origem e procedência divina despontaram. Em e através da natureza, Deus falava ao indivíduo, assim como à comunidade dos homens; na voz da natureza, o homem ouvia a voz de Deus, em uma palavra, a natureza é a revelação distante de Deus. Nessa revelação, o homem deve ver Deus, ele não deve imaginar uma união mais próxima com Deus, seria presunçoso querer entrar em uma comunhão mais íntima com a divindade infinitamente elevada ou apresentá-la em conformidade com a essência divina. A natureza tomou o lugar de Deus; tudo o que é sobrenatural deve ser explicado naturalmente; Deus vive para o homem apenas em e através da natureza, em sua essência ele é extremamente elevado, inatingível e incognoscível. Essa é a concepção deísta, a imagem de Deus da iluminação ou Aufklärung, que leva Deus tão longe e o eleva tão alto que ele fica fora da consideração humana, Deus não é mais o objeto imediato do conhecimento ou do amor humano. É a posição da abstração de Deus, sem negá-lo, é o respeito do silêncio sobre ele, é o reconhecimento na negação silenciosa, é a expulsão de Deus da imaginação porque ele está acima dela, é uma adoração e glorificação de Deus na obra de suas mãos, na natureza criada por ele, que, em última análise, se resume à adoração não de Deus, mas da natureza que foi colocada em seu lugar. Foi rompido com qualquer representação tradicional de Deus. A religião cristã teve que ser transformada em uma religião guiada pela voz, pela revelação da natureza. A religião é mais a nobreza do homem do que o serviço a Deus; a concepção de Deus é a mais elevada concepção à qual o espírito humano pode ascender, sendo uma perfeição do espírito, a satisfação de uma necessidade da natureza humana, que gera a imagem de Deus no desenvolvimento de si mesma como a mais alta coroa. A concepção de Deus, em última análise, possui apenas valor subjetivo; é algo pessoal, algo individual, algo que seria profanado pela divulgação e disputa sobre isso. É a concepção de Deus dos [16] Enciclopedistas Renan e Voltaire, disseminada em nosso país por Pierre Bayle e mais tarde por Hemsterhuys, adotada pela escola liberal de pensamento livre.

Não nos surpreende que isso, especialmente sob a influência da filosofia kantiana, tenha levado a uma nova imagem de Deus, cada vez mais desenvolvida em um sentido monista. A linha, ao longo da qual o Deísmo perdeu a imagem de Deus no infinito positivo, fez surgir novamente a imagem de Deus a partir do infinito negativo. Do vago ser total, que o sujeito estabeleceu em si mesmo e que cada vez mais assumiu um caráter cósmico, emergiu a imagem de Deus em eterna realização de si mesmo. O subjetivismo alimentado pelo evolucionismo fez aplicar o conceito de emanação à imagem de Deus, e finalmente toda a esfera do sujeito e do objeto, seja idealista ou voluntarista, originou- se do Único Absoluto, do todo divino. O caráter pessoal foi relegado ao segundo plano nessa concepção de Deus, a oposição entre finito e infinito deixou de ser percebida ou, pelo menos, foi resolvida em uma síntese de ambos. O infinito se revela nas formas mutáveis do finito, sem que nenhuma dessas formas possa expressá-lo de maneira permanente, e sempre surgem novas formas nessa concepção monística de Deus. Assim, a vida de Deus é concebida em constante mudança e, com Ele, a verdade e a religião mudam ao longo do tempo. Embora essa concepção de Deus não possa ser chamada a concepção posterior de Deus por Kant, é certo que seu postulado abriu o caminho para ela e é seu precursor inicial. Em nosso país, adotada por Van Hemert e Kinker, logo encontrou aceitação em círculos filosóficos, que a trouxeram novamente para a literatura e a vida social. A concepção de Deus foi cada vez mais considerada como um produto do espírito humano, que a ciência comparativa da religião fez objeto de investigação e reflexão para estabelecer cada vez mais seu caráter mutável e vê-la como produto do [17] desenvolvimento da raça humana, que por sua vez passou a ser pensada cada vez mais como desenvolvida a partir de uma substância primordial. O evolucionismo, assim como o empirismo, assumiu gradualmente um caráter mais psíquico. O monismo psíquico tornou-se o sistema do momento e, nesse sistema, a imagem de Deus desbotou e se desvaneceu em não menor grau do que havia desbotado e se desvanecido no Deísmo.

Podemos chamar essas duas últimas fases no desenvolvimento do conceito de Deus de uma grave crise, na qual, desde o início, o conceito de um Deus pessoal lutava com seu obscurecimento como uma reação salutar. Este período é fortemente caracterizado pela defesa do antigo conceito tradicional de Deus contra sua degeneração e corrupção. Houve mais defesa e resistência do que desenvolvimento na imagem de um Deus pessoal. Não se pode negar que, especialmente a escola liberal, mas também a escola evolucionista-emanatista, exerceram uma influência paralisante sobre o desenvolvimento harmônico da imagem positiva de Deus, fazendo com que esta vivesse menos intensamente. No entanto, essa ideia continuou a viver e, em sua defesa, tornou-se mais forte e se adaptou aos tempos em mudança. Podemos dizer que agora a era de pura defesa passou, e um caminho mais positivo está sendo trilhado. A apologia é valorizada, mas acredita-se que não se deve permanecer nela. E novamente, de forma autoconfiante, os defensores e amantes de Deus se manifestam e expressam sua fé e adoração. Certamente, em nosso país, o conceito de Deus ganhou mais poesia. Ele voltou a viver e a inspirar. Especialmente Gezelle inclinou sua alma a ouvir e, em tudo ao seu redor, não viu a vaga imagem de Deus do monismo ou do deísmo, mas ouviu o Deus pessoal falar de amor e reciprocidade. Essa nova vida pode até ter se expressado em uma lírica exagerada de Deus, mas, aos poucos, o elemento lírico foi sendo suprimido e a visão intelectual predominou, seguida por expressões espontâneas de amor e serviço.

Ah, eu sei que meu retrato da imagem de Deus ao longo dos séculos, mais especificamente em nosso país, está longe [18] de ser completa e não reflete todas as cores e matizes dessa rica imagem. É como uma reprodução em preto e branco de uma obra-prima colorida, mas o que posso fazer em uma hora? Devo me limitar a algumas grandes linhas para, ao menos, fornecer uma visão geral e construir um esquema no qual as inúmeras variações possam ser inseridas. Estou convencido de que os senhores, ao lerem essas palavras, já encontraram uma riqueza de nuances em suas memórias em cada imagem que eu esbocei de forma grosseira. O fato de eu ter conseguido evocar essas imagens nos senhores já é motivo de satisfação para mim e foi o objetivo da minha exposição. Eu não visava nada além de, com este breve esboço histórico como exemplo, trazer novamente à mente a grande variedade da concepção de Deus e mostrar como ela pode se adaptar ao tempo em mudança.

Uma lição se impõe a nós.

Temos visto uma imagem suceder a outra. Enquanto uma exercia sua influência dominante, surgia uma nova imagem como reação de um lado, e como desenvolvimento adicional de outro, para substituir a primeira. Fala-se de gerações de ideias sucessivas, com durações mais curtas ou mais longas. Uma surge da outra e, enquanto a geração antiga ainda persiste, a nova aparece para superá-la. Às vezes, a nova é mais fraca que a antiga e mal consegue suprimi-la; outras vezes, a nova possui uma força esmagadora e conquista os corações de forma avassaladora. Fracos eram, em sua disposição negativa, os conceitos de Deus deístas e monistas, incapazes de condenar à morte as formas antigas; forte era a concepção da descida de Deus até o homem e a conexão harmoniosa de espírito e sentido na contemplação de Deus.

Qual é a imagem de Deus que carregamos? Será ela forte e capaz de conquistar o mundo para Ele? Não parece ser o caso, mas há aspectos que nos enchem de esperança e confiança. Aprendemos a lição da história. Sua contemplação filosófica nos ensina que também o nosso tempo tem sua própria imagem de Deus, e que ela poderá ter um maior impacto enquanto estiver mais ajustada às necessidades do momento, alimentando e fortalecendo a reação que está ocorrendo agora, e aproveitando, em uma [19] palavra, trazendo para a imagem de Deus o que este tempo procura e ama. A filosofia da história também nos ensina que, ao fazer esse ajuste, devemos evitar o unilateralismo, pois, de outro modo, imediatamente evocaremos uma reação que atacará e enfraquecerá nosso trabalho.

Uma segunda pergunta que precisamos responder é qual conceito de Deus este tempo, em particular, desenvolve e necessita. É notável como a natureza humana encontra exatamente o que mais precisa. A história, mais uma vez, é particularmente instrutiva. O fenômeno da reação na história revela que, de forma inconsciente, nos tempos sucessivos, surge o que foi negligenciado nos anos anteriores e que a humanidade não poderia deixar de ter para alcançar um desenvolvimento pleno de seu potencial. Toda atitude unilateral se vinga e gera a necessidade do que foi negligenciado. E isso ocorre não apenas de forma negativa, na medida em que a atitude unilateral tem consequências prejudiciais e leva a uma mudança de orientação para evitar e superar esses efeitos, mas também de forma positiva, pois a representação unilateral já não satisfaz, e uma nova orientação adquire o caráter de algo surpreendente, uma descoberta, uma revelação, que desperta grande interesse e proporciona satisfação.

Posso supor e afirmar que todos nós que aqui estamos reunidos temos o privilégio de reconhecer Deus, de desejar servi-Lo, de Lhe dedicar amor, de Lhe louvar e engrandecer por muitas coisas. Deus é o objeto não apenas do nosso entendimento, mas também da nossa vontade e da nossa imaginação, e não é fácil enumerar todas as funções desses poderes nas quais Deus é o objeto de sua ação. Nossa imaginação se entretém com a representação de Deus de uma maneira ricamente variada. Ele é nosso Imperador e Rei, é o Bom Pastor, o Guia fiel, é nosso Pai, nosso Protetor, Ele nos deu o sopro da vida, é nossa Salvação, Ele guia estrelas e planetas em suas órbitas, dá vida às plantas e animais, sustenta o mundo em [20] sua mão e garante sua continuidade tranquila, Ele habita em nós e abre os olhos do nosso entendimento para as verdades fundamentais, sussurra Seus primeiros mandamentos e nos exorta a mantê-los, Ele se apresenta como o Juiz de toda a nossa vida, que nos indicará à esquerda ou à direita, conforme tivermos feito o bem ou o mal diante de Sua face, seu olhar nos acompanha em tudo o que fazemos e deixamos de fazer e, com satisfação, Ele nos observa quando nossa vida corresponde ao ideal que Ele tem nutrido para nós desde a eternidade. Assim, eu poderia continuar com imagem após imagem, que expressa a nossa representação de Deus sob alguma forma. Uma imagem é mais bela do que a outra, mas, somadas todas, ainda é muito incompleta a nossa imagem de Deus, e sentimos a necessidade de imagens novas para expressá-la. Essa necessidade cresce se, devido a várias circunstâncias, não conseguimos fazer com que a rica imagem de Deus resplandeça diante de nossos olhos, e a unilateralidade da representação acaba não nos satisfazendo. No entanto, isso tem sido quase sempre o caso. Quase sempre tomamos uma imagem de Deus excessivamente unilateral como guia no labirinto da vida, de modo que uma reação após a outra se segue para ajudar o ser humano a superar a insatisfação provocada por essa visão unilateral. Isso não impede que cada época tenha sua própria imagem, e seja até caracterizada por essa imagem. O erro não está nisso. O erro foi que se abraçou o próprio com paixão excessiva e, vivendo inconscientemente, deixou de refletir sobre essa imagem inconsciente e, por meio da razão, evitar a unilateralidade.

Portanto, não é suficiente apenas estabelecer a imagem de Deus que domina nosso círculo de pensamentos e que não se limita a nós, mas também ao mundo ao nosso redor, às grandes correntes que atualmente dirigem a vida mental; devemos também questionar em que medida isso responde às necessidades do tempo e está adaptado à mentalidade atual, sendo o mais adequado para esta época e o mais convincente para a multidão.

Isso não precisa necessariamente coincidir com a imagem que inconscientemente se estabelece na mente das pessoas. Eu não compartilho a opinião de que a natureza faz tudo de maneira [21] perfeita. Embora não se possa negar sua função saneadora e, assim como na doença do corpo humano, o organismo por si só produza muito para combater e enfrentar a doença, todos elogiam e apreciam o trabalho do médico que conhece as ações secretas dessa força curativa e que guia, ajuda, fortalece e protege a natureza das influências prejudiciais. Assim também é com a doença da mente. Mesmo lá, a ação da natureza não pode ser considerada incondicionalmente boa, sendo necessária reflexão e raciocínio para controle e assistência.

Quando nos perguntamos qual conceito de Deus guia e domina as mentes na sociedade atual, essa pergunta parece quase impossível de responder. Há tão pouca unidade no reino do pensamento que, à primeira vista, poderíamos pensar que teríamos que passar por uma fila interminável de concepções uma após a outra. Se quiséssemos nos aprofundar em detalhes, isso seria necessário, mas não é o foco aqui. Por maior que seja a confusão e a contradição, ainda existem tendências, ainda existem direções no desenvolvimento do pensamento que, em linhas gerais, determinaram o curso da imagem de Deus ao longo da história e neste momento nos mostram, em traços amplos, o que se destaca na concepção atual de Deus e o que nela é especialmente negligenciado.

Se a filosofia da história nos prova de forma convincente que até o homem mais forte, que aparentemente domina uma era e a marca com sua própria identidade, é, em última análise, profundamente dependente do tempo em que vive, sendo uma criatura de seu tempo e mais guiado do que guia, então também aqueles que vivem intensamente uma certa concepção de Deus e se sentem chamados a agir como Apóstolos de sua ideia divina, que exercem grande influência com essa força, estão sujeitos às correntes, especialmente às correntes filosóficas do tempo, e isso revela o que influencia seu pensamento. Não dizemos, nem mesmo nós, católicos, que estamos firmes no turbilhão da vida, [22] nas correntes do pensamento, na evolução do pensamento filosófico, como uma rocha inabalável que não conhece mudança. Preferimos a imagem da rocha que repousa no meio do mar e que, conforme mudam as estações do ano e as marés, ora é adornada com um verde juvenil e fresco, e com flores que encantam os olhos, e alegram o espírito; ora, em fertilidade de verão, faz-nos viver na esperança de uma colheita abundante, para depois de algum tempo nos alegrar com a posse dos frutos, desfrutados na contemplação de novas cores, agora não trazidas pela primavera, mas pelo outono, que enfeita a paisagem.

Valorizamos nossa concepção de Deus como uma rocha no meio das ondas, mas não como uma rocha nua, sem beleza ou encanto, ou apenas como uma imagem de força e resistência. A imagem é muito mais rica e esplêndida em suas formas variadas, que não devem alterar sua essência, mas que, ainda assim, mudam significativamente o aspecto e, em cada nova luz, conseguem oferecer um encanto renovado.

Parece-me que, ao definir o que é destacado na concepção de Deus, em nossa época, devemos considerar principalmente três tendências no desenvolvimento do pensamento.

Em primeiro lugar, há uma tendência para um maior entendimento metafísico. Vemos como, a partir das correntes materialistas, especialmente sob a influência do pensamento evolucionista, gradualmente surgiu uma compreensão em que, por trás do visível, se busca e descobre o invisível; como, por trás dos fenômenos, procura-se uma concepção do ser, que escapa à percepção real, mas é conhecido como objeto de uma capacidade que transcende os sentidos. Na ‘Wesenschau’ de Husserl, isso é expresso e descrito. Essa visão do ser pode ser mais uma aparência do que uma verdadeira metafísica no sentido em que Aristóteles a compreendia e introduzia; pode ainda ter um caráter fortemente subjetivista, mais acentuado do que há algum tempo, onde a distinção entre o perceptível pelos sentidos e o elemento abstraído dele, de cognoscibilidade suprassensível, aparece no objeto de nosso [23] conhecimento. Embora não se possa negar a este ponto de vista um caráter intelectualista, trata-se de um intelectualismo de um tipo específico, na medida em que aqui se fala de intelecto no sentido de uma capacidade intuitiva da natureza humana, que é alógica e irracional, conhecendo um objeto suprassensível, na verdade, elevado acima do conceito ou do raciocínio, pelo menos não acessível a ele.

Isso nos leva a um segundo aspecto distintivo do pensamento moderno, o caráter intuitivo atribuído ao conhecimento humano. De Max Scheler a Bergson, há uma rica diversidade de interpretações desse caráter intuitivo. Não vou entrar em detalhes aqui, mas gostaria de destacar o valor que é novamente atribuído à natureza humana na medida em que, por sua própria essência e natureza, é conduzida com uma certa espontaneidade a aceitar verdades que a razão não comprova, cujas bases são vistas apenas vagamente, mas que o ser humano está consciente de possuir e conhecer como algo factual, como uma verdade, dada pela própria natureza e revelada em seu próprio fato de conhecimento.

Estreitamente relacionado com isso está um terceiro aspecto notável do pensamento moderno, que eu chamaria de pragmatista. O ser humano aqui possui a verdade e a revela em suas ações. Embora a verdade possa ser objeto de compreensão e raciocínio, ela se manifesta apenas de forma vaga e incompleta. O ser humano é mais do que uma mera capacidade cognitiva; com toda a sua natureza, ele é conduzido à verdade e mantido em conexão com ela. Em parte consciente, mas na maioria, ele é conduzido em suas ações à revelação e manifestação da verdade. A verdade, embora não seja imediatamente cognoscível pela razão, não é um bem inatingível para o ser humano, pois sua natureza, orientada para a verdade, faz com que ele a vivencie e expresse, revelando- se cada vez mais em sua ação enobrecedora na cultura em desenvolvimento. Também aqui existem fortes nuances. De James a Schiller, há uma grande diversidade de opiniões, e entre seus seguidores essa diversidade de pontos de vista se torna ainda mais rica. Mas o que é especialmente notável é a alta valorização, por [24] um lado, da natureza humana como um todo, em contraste com a visão mais limitada da razão e do entendimento, e, por outro lado, da verdade, que se manifesta com força irresistível na natureza humana.

Adicionamos aqui, não como uma quarta característica ao lado das três mencionadas anteriormente, mas como uma mudança de orientação que abrange igualmente todas essas três, que o pensamento já não é mais exclusivamente voltado para o subjetivo, delineando-se cada vez mais uma direção objetiva, uma visão mais relativa em oposição à visão antes tão absoluta, uma perspectiva mais divergente em contraste com a visão antes fortemente convergente. Isso significa que o ser humano se fecha menos rigidamente em si mesmo, mas se dirige ao cosmos, com o qual se reconhece unido. O social, o comum, é compreendido no que é próprio e, embora esse sentimento social, esse senso de comunidade, às vezes possa degenerar em um egoísmo coletivo, esse egoísmo tem, em qualquer caso, um caráter social, fazendo o sujeito sair para fora e trazendo à tona seu caráter relativo em contraste com a antiga adoração do eu absoluto. A expressão mais forte disso é vista no comunismo, que se considera chamado a criar um novo tipo de ser humano, um ser humano coletivo e uma cultura que faz triunfar o ser humano impessoal sobre o individual. Mas onde isso se manifesta de forma menos intensa, ainda assim é perceptível a maior objetividade descrita acima e uma orientação mais forte para o objeto do conhecimento do que para o sujeito. Há um maior senso de realidade, um olhar mais aberto para as relações e interdependências, mais compreensão da interdependência mútua.

Na economia e na política, isso ainda pode se manifestar de forma muito imperfeita, com o contrário se tornando mais evidente. Isso é mais um fenômeno lamentável, que se desejaria ver eliminado, mas para o qual não se conseguem encontrar os meios adequados de combate, do que uma falta de busca por aproximação entre os povos ou de reconhecimento da interdependência mútua. Vê-se claramente que é necessário seguir nessa direção, deseja-se seguir nessa direção, mas os economistas mais competentes e os políticos mais experientes não encontram saída no labirinto em que nos encontramos perdidos. [25]

Nessa situação de caos, certamente há uma disseminada sensação de desespero. Mas aqueles que veem a história de forma filosófica não perdem a esperança e, felizmente, também os indivíduos que raciocinam calmamente têm a expectativa de que a crise será superada. Em que se baseia essa esperança, essa confiança? Em primeiro lugar, na natureza humana, que, ao longo dos séculos, mesmo sem conhecer uma saída, encontrou um caminho, frequentemente utilizando inconscientemente meios que trouxeram melhorias, às vezes de maneira bastante surpreendente. A natureza evoca a reação benéfica que deve sanar o mal; a natureza percorre caminhos desconhecidos que levam à recuperação. Não se perde a esperança, porque, ao longo de toda a história, a natureza humana tem demonstrado suas forças e habilidades ocultas e desconhecidas, que estão inerentes a ela. Não é o ser humano individual que pode trazer a redenção aqui, pronunciar a palavra certa; todo entendimento é insuficiente, toda sabedoria é inadequada, mas a natureza se fará sentir novamente, como sempre no passado. A natureza prevalece sobre a doutrina.

E, por trás dessa natureza, está Deus, não o Deus dos deístas, mas Deus, que criou e sustenta a natureza, que trabalha nela, através dela e com ela, cujo trabalho e cuja essência podem ser distinguidos pelo intelecto abstrato. Se, no presente momento de necessidade, ousamos confiar em uma solução, porque temos confiança ensinada pela história, na natureza humana, então confiamos em Deus, e, nesta necessidade, Sua imagem se apresenta sob uma nova luz e nos encanta com uma nova beleza, antes quase não descoberta.

Quando consideramos isso dessa maneira, começa a se revelar a nós, por um lado, qual imagem de Deus nascerá dessa constelação de pensamentos e, por outro lado, qual conceito de Deus guiará a natureza humana na direção correta e, ao levarmos em conta as correntes do tempo, deve ser considerado como o mais capaz de atrair e cativar a humanidade. Então, me parece que nós, que amamos a Deus e gostaríamos de vê-Lo adorado e glorificado por todos, devemos, em nossa rica imagem de Deus, destacar principalmente os seguintes elementos para chegar a uma imagem adequada a estes tempos. [26]

Devemos, antes de tudo, ver Deus como o fundamento mais profundo do nosso ser, oculto no âmago da nossa natureza, mas ainda assim visível e perceptível ali, reconhecível primeiramente através de uma análise racional, depois claramente discernível sem necessidade de repetida argumentação, como que por intuição, de modo que nos vejamos em constante contemplação de Deus, adorando-O não apenas em nossa própria essência, mas igualmente em tudo o que existe – primeiramente no próximo, mas também na natureza, no universo, presente em toda parte e penetrando tudo com a obra de Suas mãos. Essa habitação e ação de Deus não deve ser apenas objeto de intuição, mas deve se manifestar em nossa vida, expressar-se em nossas palavras e ações, irradiando de todo o nosso ser e comportamento.

Essa imagem natural de Deus, a mais adequada às correntes filosóficas deste tempo, recebe um poderoso reforço quando também colocamos em destaque na imagem sobrenatural de Deus, que conhecemos por meio da Revelação, os elementos que mais se harmonizam com a mencionada imagem e que ou a descrevem de maneira mais detalhada, ou a tornam mais compreensível.

Penso, então, na descrição da obra da graça, na explicação dada por teólogos experientes sobre o que se entende por graça, e, na prática das três virtudes divinas, que, quando exercidas heroicamente, demonstram e distinguem de maneira tão gloriosa tanto a obra da graça quanto o elemento divino em cada ser. Onde quer que fé, esperança e amor sejam praticados de forma verdadeiramente heroica como virtudes, ali sentimos o Divino próximo; ali, Deus, por assim dizer, surge diante de nós a partir do praticante dessas virtudes, e todos os que testemunham isso serão tomados pela atração dessa irradiação divina.

Nestes tempos sombrios, ainda há um ponto luminoso especial na gradual preparação e desenvolvimento deste conceito de Deus. Entre os muitos aspectos que tornam esse conceito de Deus tão caro para nós, dificilmente há um elemento que lhe dê tanta beleza quanto [27] precisamente a ideia de que Deus habita em nós, que somos capazes de descobri-Lo em nós mesmos, contemplá-Lo de forma abstrata, e com Ele em tudo o que nos rodeia, enquanto em toda a nossa vida essa habitação divina pode se tornar uma radiante expressão.

Que o desenvolvimento do pensamento filosófico, que guia a vida, destaque este elemento de forma especial, e que a necessidade dos tempos, apesar da vontade de muitos que se afastaram de Deus, conduza à sua contemplação sob as mais belas formas, é certamente algo a ser apreciado como um ponto luminoso em meio à noite sombria e visto como uma alegre perspectiva.

A religião é, sem dúvida, aprofundada e interiorizada nessa luta por Deus. E é imensamente encorajador que, dessa luta de ideias, essa bela imagem de Deus pareça estar sendo revivida. Não posso dizer que ela nasce dessa luta. Não é nova, mas, ainda assim, há um novo vigor, e que esse novo vigor possa ser um reflexo das concepções de Deus de épocas anteriores. Em cada período, essa imagem, que emerge em diferentes momentos históricos, tem sua própria cor, principalmente nas características adicionais e talvez mais na disposição dos elementos. Mas, assim como na maneira francesa a tonalidade dá forma à música, aqui também podemos falar de um novo acorde, no qual um tom próprio é ouvido, e esse tom próprio confere ao acorde uma beleza toda especial.

Agora que vejo essa alegre perspectiva, não posso deixar de mencionar que essa imagem de Deus exige também uma função especial do nosso poder de conhecimento. À medida que a imagem de Deus se modifica objetivamente, uma modificação correspondente ocorre subjetivamente nas funções do nosso poder de conhecimento. E agora há uma circunstância encorajadora — que, aliás, não está dissociada do desenvolvimento do pensamento delineado acima em linhas gerais — de que há uma mudança na valorização do poder de conhecimento e, mais do que em séculos passados, a concepção aristotélica, adotada e desenvolvida de forma tão harmoniosa na filosofia tomista, ganha terreno e exige reconhecimento, ou seja, que em nosso conhecimento intelectual trabalhamos abstratamente, e que a correta compreensão da capacidade de abstração [28] nos revela a maior glória de nosso intelecto.

Há uma satisfação particular com o glorioso renascimento da filosofia aristotélica e, com ela, da filosofia tomista, pois contribui de maneira radical e eficaz para o desenvolvimento da imagem de Deus delineada acima e o promove. Uma coisa está conectada à outra, e poderíamos falar de uma interação.

O que tem maior significado na teoria do conhecimento tomista do que a elevada valorização da capacidade de abstração? Com o lugar atribuído a ela, parece-me que, na história da filosofia, estão registrados, primeiro, a preparação para o surgimento de Santo Tomás, depois, o sucesso de sua doutrina e, ao mesmo tempo e especialmente mais tarde, a negligência dessa doutrina.

Vivemos na era da visão abstrata. Ela se manifesta na literatura e, talvez ainda mais intensamente, nas artes construtivas e visuais, refletindo sempre de maneira clara o que inspira os espíritos.

E é essa capacidade de abstração que deve nos conduzir à visio Dei, à contemplação prazerosa de Deus, que um dia constituirá nossa eterna felicidade no Céu. No entanto, em harmonia com nossa natureza, que pressupõe essa felicidade, já podemos obter aqui, de forma imperfeita, uma antecipação dela, garantindo um prazer espiritual elevado.

Apenas alguns eleitos podem alcançar a mais alta contemplação, mas todos devemos nos esforçar para alcançar uma contemplação cada vez mais clara. A mais alta contemplação deve permanecer o privilégio de poucos, que, para usar termos medievais, praticaram a vida purgativa e iluminativa e, assim, adquiriram a receptividade necessária para a vida contemplativa, sendo agraciados de acordo com essa receptividade. Admito prontamente que, mesmo que haja um impulso por maior percepção metafísica e que a valorização de nossa capacidade intuitiva impulsione o melhor desenvolvimento da nossa capacidade de abstração, isso não significa que todos agora se deixarão guiar de maneira perfeita por essa capacidade de abstração, garantindo assim o pleno desenvolvimento da imagem de Deus nesse sentido.

Mas a possibilidade de desenvolvermos essa capacidade [29] nessa direção, e, por conseguinte, não apenas tornarmos esse conceito de Deus mais claro para nós mesmos, mas também para os outros, nos impõe o dever de fazê-lo. Devemos seguir e fortalecer o fluxo do tempo, que nos arrasta para tantas calamidades, sobretudo onde ele nos leva claramente a algo belo e bom.

Aqui, o filósofo católico e o teólogo católico têm uma vocação especial a cumprir. Em sua formação aristotélico-tomista, ele possui qualidades especiais não apenas para guiar, mas para, repetidamente, impulsionar o caminho desejado pela filosofia contemporânea.

Pode-se ver no fluxo da literatura mística e relacionada à mística a prova de que essa tarefa é compreendida e sentida, de que essa literatura surge do espírito da época e, ao mesmo tempo, oferece satisfação a ele. No entanto, deve-se fazer com que todos entendam que, por esse caminho, podem e devem se unir mais intimamente a Deus e que, na sociedade, o pensamento de Deus pode e deve ser revivido.

Se isso deve se tornar realidade, o místico não deve ser visto como alguém à margem da vida, mas todos aqueles que vivem e estão conscientes dessa vida devem considerar como sua primeira e mais elevada vocação, na γνώσις σεαυτοῦ — o conhecimento de si mesmos —, a ciência mais difícil, mas também a mais bela de todas, descer com sua mente abstrata até o ponto onde encontram Deus, na raiz de sua existência.

Podemos ver até essa raiz. A água pode estar turva e, muitas vezes, as tempestades da vida a tornam tão turva que, apenas após algum descanso e reflexão, o olhar pode perfurar até essa profundidade. Contudo, possuímos a capacidade para essa visão; Deus é cognoscível em nosso ser, podemos vê-Lo e viver em Sua contemplação. E essa contemplação não deixará de influenciar nosso comportamento. Ela também se revelará em nossas ações.

O caráter pragmático-intuitivo da imagem de Deus se revela, em grande parte, no grande afastamento de Deus, maior do que em qualquer outra época. Ao mesmo tempo, demonstra como muitos não entendem sob quais formas Deus é buscado agora, e tantos não O encontram. A Grande Guerra contribuiu para isso e um de seus resultados [30] mais desastrosos foi sem dúvida essa negação de Deus. Nosso espírito de época, pragmático por natureza, busca a revelação de Deus, acreditando que só pode conhecer Deus através das obras realizadas pelo ser humano, não por um ser humano isolado, mas pelo ser humano em comunidade, revelação da natureza humana. Aqui, poderíamos traçar uma comparação com o que ocorreu no início do século XVI, quando milhões se afastaram da Igreja Católica. No entanto, além dos pontos de semelhança, há diferenças tão grandes que teríamos que nos deter por muito tempo neste quadro para desenvolvê-lo completamente. Podemos dizer que agora a insatisfação é muito maior, e a reação é muito mais radical. O espírito daquela época era também muito menos pragmático. Esse último caráter da verdade emerge agora de maneira tão especial que a grande injustiça que acontece no mundo, apresentada como algo natural, conforme a natureza, impede milhares de verem Deus na natureza. O caráter intuitivo, ilógico e irracional atribuído ao pensamento humano cria uma aversão ao raciocínio dos fatos, à explicação do que acontece. Eles exigem uma imagem tão clara que se impõe de maneira irresistível e esmagadora ao espírito. E, nas condições do momento, é difícil e exige reflexão para, apesar de tudo, ver tudo como procedente de Deus, guiado por Deus.

Quando o pensamento humano está orientado dessa maneira, pode-se falar de uma mentalidade doentia, mas isso não exime os adoradores e amantes de Deus da obrigação de levar isso em conta, se quiserem difundir a ideia de Deus e torná-la novamente relevante. E então percebemos o que é exigido no conceito atual de Deus e o que é pouco compreendido nele. Então vemos que esta era de intuição ilógica não é satisfeita nem mesmo com uma prática comum da virtude, mas devemos pedir a Deus que, para este tempo, desperte homens e mulheres de virtude heroica, cujas ações provoquem a exclamação: ‘A incredulidade não pode fazer isso.’ Deve haver algo no conceito de Deus que impacte a sociedade, e as pessoas não devem se afastar decepcionadas daqueles que proclamam Deus com palavras, mas [31] O negam com suas ações. Felizmente, isso é cada vez mais compreendido. Entre os jovens, em particular, há um entusiasmo juvenil para confessar a fé em Deus com orgulho e abertamente em ações e para revelar Sua beleza, inspirando boas obras.

No entanto, não é suficiente apenas insistir na prática do viver a fé em Deus e nos estimular a isso; é necessário mais. Devemos entender o tempo e não nos colocar fora de sua influência. Nós também somos filhos do nosso tempo. Sejamos assim com plena consciência, permitindo que os estímulos positivos nos influenciem livremente.

O conceito de Deus desta época tem, além do caráter pragmático, também um caráter intuitivo. Devemos aproveitar as circunstâncias favoráveis e ensinar o ser humano intuitivo a ver Deus onde Ele não está escondido de nossos olhos, no máximo apenas velado, onde nossa mente pode alcançá-Lo como objeto de contemplação. Que fique claro: não estou defendendo a intuição como um conceito de Deus, nem estou clamando pelo retorno do ontologismo, mas o hábito se torna uma segunda natureza, e muitos aceitam intuitivamente aquilo que é, na verdade, o resultado de um raciocínio que se tornou inconsciente. Mesmo raciocinando, nossa capacidade de abstração não fica ociosa, e, embora façamos uma distinção entre razão e intelecto, ambos nos conduzem à compreensão, a um ato de visão, cujo caminho que nos levou até ele muitas vezes só podemos identificar com grande esforço e profunda reflexão. Assim, devemos ser cautelosos com o uso da palavra “intuição”, especialmente quando se trata de nossa contemplação de Deus, mas, por outro lado, não devemos ter medo das pessoas que falam sobre isso, embora, devido à falta de introspecção, confundam intuição com o que nada mais é do que o resultado de um raciocínio comum que se tornou inconsciente e, assim, é governado e guiado pela abstração.

O que, portanto, defendo e considero necessário para os tempos atuais é a contemplação de tudo o que existe em sua dependência e origem de Deus, cujo trabalho devemos reconhecer nisso, cuja presença devemos distinguir nisso, a quem devemos reconhecer e adorar, primeiramente em nós mesmos. Deus está presente ali e se revela a nós. Ele deseja ser visto e reconhecido ali. No fim das contas, Ele não é mais claramente perceptível para [32] nós do que no âmago de nosso ser. Se essa ideia da habitação de Deus, da total dependência de toda a natureza de Deus, de Sua direção e revelação em todas as coisas estivesse viva, que outros atos seriam realizados para estarem em conformidade com o caráter de revelação divina! As pessoas precisam ver Deus novamente e viver na contemplação d’Ele. Chamam isso de misticismo. Que assim seja. Eu até aplaudo isso, se puder ver nisso a expressão da verdade de que no misticismo vemos o desenvolvimento posterior e mais elevado do que foi potencialmente depositado na natureza humana, embora a realização dessa potencialidade só ocorra por graça divina especial. Isso de modo algum entra em conflito com a natureza; ao contrário, a natureza é chamada a ver Deus como o objeto mais nobre de seu conhecimento. É lamentável que isso não seja mais compreendido. As obras místicas de um Ruusbroec, em nossa própria literatura nacional, poderiam nos ensinar novamente como, ainda trabalhando com o dom natural da razão, podemos chegar a uma visão cada vez mais clara de Deus. É motivo de grande alegria em nosso tempo que as obras místicas estejam em voga, que as pessoas voltem a elas para aprender a contemplação de Deus, para delas absorver a imagem de Deus, que é o mais necessário para este tempo. Da intuição de Deus no íntimo de todo ser segue-se facilmente a inspiração que deve brotar daí para a ação.

Vemos com alegria quantos, especialmente jovens, guiados por Deus, a quem adoram dentro de si, com quem se sentem ainda mais unidos pela graça, cuja união confirmam e fortalecem pela sua comunhão diária na Eucaristia, tiram de sua unidade com Deus a inspiração para atos de serviço. É para aí que devemos ir. A boa ação por si só já não é suficiente; ela deve brotar da consciência de que nossa união com Deus nos obriga a ela. Essa consciência deve ser o forte impulso para a boa ação. Mas, por outro lado, a fé em Deus também não é suficiente; ela deve ser vista como viva nas obras e manifestar seu valor por meio delas.

A imagem de Deus aqui descrita é, portanto, uma ideia forte, [33] que não só encontrará rapidamente aceitação ao lado das vagas e confusas representações de Deus que ainda vivem em muitas mentes, mas, uma vez adquirida e absorvida, será capaz de resistir a muita oposição e resistência.

Devo ainda apontar brevemente o grande benefício para a restauração da ordem social violada, que reside na disseminação dessa concepção de Deus.

Em primeiro lugar, retira o homem de seu isolamento e o faz ver-se em relação de dependência. Não apenas liga o homem a Deus, mas em e através, e com Deus, o homem se vê unido e em relação com todos os outros homens. Aqui está fundada uma comunidade na união mais íntima de Deus com tudo o que existe. O reconhecimento da dependência mútua será uma das primeiras condições para a restauração da ordem rompida. Que conceito será mais frutífero aqui do que a concepção de Deus que descrevemos como a mais adequada para o nosso tempo? Essa imagem de Deus ataca a falsa concepção que sustenta o comunismo por dois caminhos diferentes. Em primeiro lugar, faz perceber que a natureza, mesmo a natureza que foi posta em ação e se fortaleceu na comunidade, não é independente, mas realiza as ideias dadas por Deus como seu guia e determinadas por ninguém além d’Ele tanto no planejamento quanto na execução; em segundo lugar, cria, em bases muito mais profundas e claras, um novo e mais frutífero comunismo, ao ensinar ao homem como todos estão unidos e ordenados uns aos outros em e através de Deus. Essa consciência de dependência mútua e ordenação uns aos outros, juntamente com a mais íntima comunidade, é sem dúvida o mais belo pensamento que pode ser concebido para a salvação da crise atual.

Embora essa imagem de Deus seja bonita, especialmente para os dias de hoje, não podemos, instruídos pela história, deixar de ter cautela em pregá-la e disseminá-la de maneira demasiado unilateral. Devemos apontar, em poucas palavras, para o duplo perigo que isso representa.

A intuição, a contemplação de Deus, não desvia o espírito do [34] raciocínio lógico, que deve continuar a ser sua base. Nenhum alogismo, mas sim um raciocínio saudável e a ciência devem nutrir e desenvolver a compreensão de Deus. Podemos ter em vista o glorioso resultado de que a contemplação de Deus, através do hábito que formamos dela, se tornará uma segunda natureza e, em nossa apreciação, se igualará à intuição. No entanto, nunca devemos perder de vista o caminho que conduz a essa contemplação. Se não enfatizarmos suficientemente esse caminho e não desenvolvermos a compreensão de Deus de maneira sólida e científica, ela não terá a força que pode e deve ter para exercer a influência que desejamos ver atribuída a ela, inspirando ações. E por isso estamos felizes que não apenas a piedade se aproprie dessa compreensão de Deus para cultivá-la e nutri- la, mas também que a ciência filosófica e teológica já esteja submetendo essa compreensão a um estudo e reflexão mais aprofundados, para explicá-la e desenvolvê-la em harmonia com o que sabemos sobre a natureza divina, seja pela reflexão do entendimento, seja pela Revelação. Quando percebemos a grande, ou mesmo vital, importância de uma compreensão correta de Deus para os nossos tempos, regozijamo-nos com o fato de que também nesta Universidade existe uma Faculdade de Teologia, e esperamos que ela seja ainda mais ampliada para cumprir plenamente sua função. Para a ciência católica, que tem como objetivo servir ao verdadeiro progresso, é de valor incalculável que, nestes tempos, a atenção esteja voltada para a compreensão de Deus e que todas as questões, de qualquer natureza, não sejam vistas fora desse contexto. Isso já aconteceu demasiadas vezes e se tornou a causa pela qual o ser humano desaprendeu a contemplar, em qualquer objeto de estudo, até encontrar e adorar a Deus. Isso não prejudicará nenhuma ciência; ao contrário, aprofundará a ciência até as suas raízes mais profundas, descendo até o fundamento último, e apontará a síntese de tudo o que foi analisado como o primeiro ponto de partida. Pela grande importância da compreensão de Deus para todo o progresso verdadeiro e pela necessidade de não apenas aceitá-la da Revelação, mas também desenvolvê-la com nossa razão, depois de ter extraído essa compreensão das coisas ao nosso redor, [35] fico feliz que agora tenhamos nossa própria Universidade, onde não só eu tenho o privilégio de falar sobre a beleza e o valor da compreensão de Deus, mas onde um corpo docente de professores de Filosofia e Teologia trabalha em conjunto com professores de outras áreas para revelar e reconhecer Deus em todas as coisas, e para trazer e manter todo o nosso conhecimento, em qualquer campo científico, em conformidade com o conceito mais fundamental e fecundo de todos, nossa compreensão de Deus. Um segundo perigo, que não devemos subestimar, embora pareça menos relevante para o cerne da compreensão de Deus aqui apresentada, é que a interpretação pragmática disso pode levar à exterioridade. Já vimos uma vez, na história de nossa vida espiritual, como a prática unilateral da virtude levou à exteriorização da vida espiritual. Devemos, portanto, estar atentos para que isso não ocorra novamente, ainda que inconscientemente. Embora seja necessária a manifestação de nossa fé na ação, à qual ela deve nos inspirar, devemos manter nossos olhos abertos para a necessidade ainda mais urgente da inspiração interior. A ação por si só não é suficiente; ela deve ser conscientemente derivada da habitação interior de Deus, como sendo por Ele ordenada ou sugerida no íntimo de nosso ser. Isso tornará a ação não apenas forte e irresistível externamente, mas também forte internamente, transformando-a numa expressão de uma vida mais bela e nobre.

Gostamos de viver e falar em imagens e parábolas. Gostamos de exemplos e auxílio.

Para o desenvolvimento de nossa concepção de Deus, não nos falta uma imagem. Houve uma vez uma Virgem, que se tornou Mãe do Deus encarnado, que nos deu

Deus como o Emanuel. Ele morreu na Cruz para nos fazer viver em união com Deus e nos encher com Sua graça. Assim, Ele também nasceu em nós segundo a ordem da graça. Foi para restaurar a união com Deus na ordem natural, tornando essa união ainda mais íntima e abundante. Assim, a Mãe de Deus nos deu essa união íntima com Deus, enquanto se colocava como exemplo da mais profunda comunhão. [36]

Que esse exemplo esteja sempre diante de nossos olhos. Há aqui mais do que apenas um exemplo.

Ela é chamada a direcionar nosso olhar para Deus. Assim, guiados pela Revelação, reconhecemos Deus na Criança em seus braços, que ela nos conduza, através da razão, à contemplação de Deus em tudo o que Ele criou, para que, assim como Ele viveu nela, Ele viva também em nós, e, pela ação nascida em nós, manifeste-se a partir de nós.

 


  1. Nota do Tradutor – N.T. – Tradução de Bruno C. Schröder sob a supervisão de Ludovicus Barbara Mooren. Belo Horizonte, 2024. Texto publicado pelo Instituto Titus Brandsma em 2018. Direitos reservados à Nederlandse Karmelprovincie. Discurso proferido no dies natalis da Universidade Católica de Nijmegen em 17 de outubro de 1932, pelo Rector Magníficus Prof. Dr. Titus Brandsma, O.Carm. Publicado como: Titus Brandsma, Godsbegrip, N.V. Dekker & van de Vegt e J.W. Leeuwen, Nijmegen-Utrecht 1932. Primeira edição. 36 páginas.
  2. N.T. – H. Isidorus van Sevilla
  3. N.T. – St. Bonifatius
  4. N.T. – H. Willibrord
  5. N.T. – Helgoland
  6. N.T. – Walcheren
  7. N.T. – Wulfram
  8. N.T. – H. Lebuinus
  9. N.T. – Groningsch Oldehove
  10. N.T. – Gottschalk
  11. N.T. – εἰκονομαχία (eikonomakhía), proveniente de εἰκών (eikṓn, “representação, imagem, retrato”) e μαχία (makhía, “batalha, luta”), literalmente significa “briga entre ídolos” ou “hostilidade perante objetos de veneração”
  12. N.T. – Scotus Eriugena
  13. N.T. – Peter van Amiens
  14. N.T. – St. Bernardus
  15. SIC Theologie in het Duitsch

 

Tradução de Bruno Castro Schröder (sob a supervisão de Ludovicus Barbara Mooren) (Belo Horizonte, 2024)

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